segunda-feira, 27 de junho de 2016

NÃO TENHO TEMPO









Essa crônica  que segue logo abaixo é do autor Neimar de Barros,(1943-2012) do livro cujo título é Deus Negro, escrito em 1973, onde ele explica por que o título do livro é  Deus Negro.
Ele diz assim:

Porque talvez Deus apareça mancando para os que tiveram ojeriza dos aleijados, talvez apareça raquítico para os que riram dos físicos fracos, talvez apareça negro para os racistas.

Então vamos a crônica:


                                                  NÃO TENHO TEMPO

Sabe meu filho,
Até hoje não tive tempo para brincar com você
Arranjei tempo para tudo,
Menos para ver você crescer.
Nunca joguei dominó,
          dama
          xadrez
          ou batalha naval com você
Percebo que você me rodeia,
Mas sabe sou muito importante e não
tenho tempo...
Sou importante para números, convites sociais,
Uma série de compromissos inadiáveis
E largar tudo isso para sentar no chão com você? ...
Não,  não tenho tempo!
Um dia você veio com o caderno da escola para o meu lado,
Não liguei, continuei  lendo o jornal.
Afinal, os problemas internacionais
São mais sérios do que os da minha casa
Nunca vi seu boletim nem sei quem é sua  professora
Não sei nem qual foi sua primeira  palavra,
Também, você entende... não tenho tempo!
De que adianta saber as mínimas coisas de você.
Se eu tenho  outras grandes coisas a saber?
Puxa, como você cresceu!
Você já passou da minha cintura. Está alto!
Eu não havia  reparado isso!
Aliás, não reparo quase nada, minha vida é corrida.
E quando tenho tempo, prefiro usá-lo la fora
E se uso aqui, perco-me calado diante da TV,
Porque a TV é importante e me informa muito...
Sabe meu filho...
A última vez que tive tempo para você, foi  numa cama,
Quando  o fizemos!
Sei que você se queixa
Que você sente falta de um palavra,
De uma pergunta minha,
De um corre-corre,
De um chute na sua bola,
Mas eu não tenho tempo!
Sei que você sente falta do abraço e do riso
Do andar a pé até a padaria para comprar guaraná,
Do andar a pé até o jornaleiro para  comprar "Pato Donald"
Mas sabe, há quanto tempo não ando a pé na rua?
Não tenho tempo!
Mas você entende, sou um homem importante,
Tenho que dar atenção a muita gente,
Dependo delas... Filho, você não entende de comércio!
Na realidade, sou um homem sem tempo
Sei que você fica chateado,
Porque as poucas vezes que falamos é  monólogo, só eu que falo.
E noventa e nove por cento é bronca:
Quero silêncio, quero sossego!
E você tem a péssima mania de vir correndo sobre a gente,
Você tem mania de querer pular nos braços dos outros...
Filho, não tenho tempo para abraçá-lo,
Não tenho tempo para ficar com papo-furado com criança.
Filho, o que você entende de computar, comunicação
cibernética, racionalismo?
Você sabe quem é Marcuse, Mac Luan?
Como é que eu vou para para conversar com você?
Sabe filho,
Não tenho tempo!  Mas o pior de tudo,
O pior de tudo é que...
Se você morresse  agora, já neste instante,
Eu ficaria com um peso na consciência 
Por que até hoje,
Não arrumei tempo para brincar com você.
E na outra vida, por certo,
Deus não  Terá Tempo de me deixar,
pelo menos vê-lo!


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